quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Preferência versus Orientação


Heather L. Moore

“As palavras e frases novas são uma medida orgânica de mudança. Capturam as transformações da percepção e muitas vezes da própria realidade”Esta frase foi escrita por Gloria Steinheim em 1982, num ensaio entitulado “Palavras e Mudança”. No seu ensaio, ela explica os modos como as feministas mudaram o nosso mundo através da linguagem, e a importância que a linguagem continua a ter na redefinição daquilo que somos como mulheres e no modo como somos compreendidas e tratadas. Uma frase que atualmente é comum nos meios de comunicação e entre os grupos de direitos das Lésbicas e Gays é orientação sexual. É usada em leis gerais e municipais feitas para acabar com a discriminação, e em ensaios de estudiosos que examinam diversos aspectos da homossexualidade. Em toda a nossa sociedade, “orientação sexual” foi codificado como o termo a usar quando se discutem questões envolvendo homossexuais. Ocasionalmente, ouvimos usar o termo preferência sexual em debates retóricos sobre questões das Lésbicas e Gays - mas isso é frequentemente um sinal que o orador é ostensivamente anti-homossexual. Então que diferença faz qual a frase que se usa? A terminologia serve o seu propósito se sabemos, apenas através da terminologia escolhida, quem apoia ou não os direitos das Lésbicas e Gays. Não é? Mas a linguagem não ajuda apenas a etiquetar a realidade - também ajuda a criá-la. Citando novamente Steinheim “Nesta vaga [a segunda vaga do feminismo] as palavras e a consciencialização lideraram o processo de modo a que a realidade se lhes seguisse”. As palavras que usamos para descrever questões feministas tem uma enorme importância. Precisamos dizer aquilo que pretendemos, não o que é mais conveniente ou simples. Como feministas, o nosso uso da linguagem tem sido, e continua a ser, uma das nossas armas mais poderosas na luta para atingir a igualdade.

Todavia, esta questão é complicada pelo fato de muitas Lésbicas e Gays usarem o termo “orientação sexual” para se descreverem. Muitas vezes usam este termo sabendo perfeitamente o seu significado e que implica determinados pontos de vista em relação à sexualidade humana. Por exemplo, no número de Março de 1993 da revista The Atlantic, Charles Burr escreve àcerca das novas evidências que ajudam a “provar” que a homossexualidade tem uma origem biológica. Ele escreve “Cinco décadas de evidências psiquiátricas demonstram que a homossexualidade é imutável e não patológica e um grande número de novas evidências implicam a biologia no desenvolvimento da orientação sexual”. No princípio do artigo, Burr afirma que “o termo orientação sexual, que nos anos 80 substituiu preferência sexual, põe em evidência a natureza profundamente enraizada do desejo sexual e do amor. Ele envolve nele a biologia.” Isto faz levantar questões importantes - queremos realmente envolver a biologia? Será que as feministas acreditam que a biologia é responsável pelas nossas vidas sexuais? Na verdade as feministas não falam numa voz singular; mas alguns conceitos têm um maior grau de credibilidade feminista que outros.

O debate sobre preferência versus orientação é importante para as feministas porque lida com a maneira como caracterizamos o que é “naturalmente” masculino e feminino. Ou seja, para uma pessoa sentir atração por uma categoria particular de pessoas, essa categoria deve ter definições e limites específicos. As características femininas ajudam a descrever e a definir as mulheres; se uma pessoa é inerentemente atraída por mulheres é num certo sentido inerentemente atraída pela feminilidade. Todavia, a maioria das características a que chamamos femininas foram definidas pela sociedade como tais - como é do conhecimento geral, “feminilidade” não é um termo baseado em fatos científicos ou biológicos. Como feministas, sabemos como pode ser problemático definir o que é “feminilidade” ou “masculinidade”; por isso, necessitamos ser muito cautelosas ao nos referirmos à sexualidade em termos biológicos. Afinal se nós como feministas consideramos que o gênero é uma construção social, como poderemos considerar que a atração por um determinado gênero é fundamentalmente biológica? Mais uma vez, a linguagem que usamos para nos descrever e para descrever as nossas preocupações tem uma importância crítica. Se estamos a usar linguagem que (como foi apontado por Burr) implica a biologia, deveremos sentir realmente que a biologia é responsável pelo nosso comportamento sexual. Esta crença não está limitada às discussões sobre a homossexualidade relacionando-se também com o tópico da sexualidade em geral. As feministas que apoiam os direitos as Lésbicas e dos Gays necessitam de examinar de um modo crítico os seus pontos de vista em relação à sexualidade. Como Ruth Hubbard, uma bióloga feminista da Universidade de Harvard, aponta no livro Exploring the Gene Myth (Explorando o Mito dos Genes) “ Todos nós temos uma grande variedade de sentimentos eróticos. As sociedades definem alguns como sendo sexuais e regulam o grau e os modos em que nos é permitido desenvolvê-los e exprimi-los...

A sexualidade humana é complexa e é afetada por muitos fatores. A incapacidade de arranjar uma explicação clara [para a homossexualidade] envolvendo o meio ambiente não é surpreendente e não conduz à conclusão que a resposta pode ser dada pela biologia”. Se acreditamos que a biologia não é de fato a influência determinante nas nossas vidas sexuais, então deveremos usar uma linguagem que esteja de acordo com este ponto de vista. Atualmente os meios de comunicação de grande divulgação e alternativos apresentam às suas audiências duas posições no debate sobre as origens da homossexualidade: ou apoiamos os direitos das Lésbicas e Gays e aceitamos a ideia que a homossexualidade é determinada biologicamente (a posição “ninguém escolheria ser homossexual”); ou opomo-nos aos direitos das Lésbicas e Gays e acreditamos que os homossexuais escolhem ter um comportamento de “desvio sexual”. O que está a faltar neste edifício de retórica é uma voz feminista forte. Como feministas deveremos admitir o largo intervalo de escolhas sexuais que temos, deixando saber aos outros que essas escolhas deverão ser respeitadas e encorajadas. Ou seja, o conceito de escolha sexual simultaneamente real e vantajoso deverá ser difundido em discussões com heterossexuais e homossexuais.

Todavia, considerando o amor que os Americanos tem para dar respostas simples a questões complexas, é fácil compreender os raciocínios usados para a descrição da sexualidade em termos biológicos. Este enquadramento das origens da homossexualidade torna mais fácil lidar com os nossos aliados heterossexuais da Esquerda. Dizer que a sexualidade é imutável torna mais fácil aos heterossexuais liberais e compadecidos lidar com a questão da homossexualidade. É menos intimidativo e menos complicado, porque dizer que uma pessoa escolhe ser homossexual é dizer simultaneamente que não se escolhe ser heterossexual. E alguns heterossexuais ficam incomodados ao ouvirem as suas opções de vida serem rejeitadas. No entanto, os heterossexuais não terão que se sentir criticados ou julgados sobre a sua vida sexual, se puderem defender que a homossexualidade é resultado de algum fator biológico que não pode ser controlado. Aos homossexuais também lhes agrada esse conceito de “origem biológica” porque reduz o conflito entre homossexuais e heterossexuais ao explorar das semelhanças existentes na vida das pessoas, em vez de fazer uma análise crítica das diferenças vividas pelos homossexuais e heterossexuais. As Lésbicas e os Gays tem que lidar frequentemente com sentimentos de alienação e isolamento culturais; portanto quando lhes é dada uma oportunidade de construir um sentimento de aproximação, existe um desejo de a apadrinhar. Por outras palavras, usar a biologia como explicação para a sexualidade ajuda a despolitizar o controverso debate sobre a homossexualidade.

Alguns ativistas dos direitos das Lésbicas e dos Gays também acreditam que terão mais sucesso na luta contra a discriminação nos tribunais e nas legislaturas se puderem “provar” que a homossexualidade é uma característica biológica. O Supremo Tribunal [dos EUA] teve que lidar no passado com casos de discriminação contra grupos minoritários “imutáveis”. Portanto as Lésbicas e Gays envolvidos em estratégias políticas acreditam que ao adotar o termo “orientação” e a filosofia que é o seu corolário (quer pessoalmente acreditem nela ou não) irão obter a curto prazo alguns benefícios políticos. Todavia, como nos lembra Hubbard, “Ter conhecimentos básicos das diferenças em biologia não acaba com os preconceitos. Pelo contrário, os Africanos-americanos, Judeus, pessoas com deficiências físicas e também os homossexuais foram perseguidos por “deficiências” biológicas, tendo havido mesmo tentativas de exterminação para evitar a “contaminação” biológica. E as mulheres também têm lutado pela equidade como grupo imutável e ainda estamos longe dessa igualdade. A vantagem política que supostamente ganhamos ao usar o termo “orientação” é no mínimo questionável.


(Traduzido do nº de Junho de 1994 da Revista Off Our Backs por S. Marinho)

3 comentários:

[Nanda] disse...

curti o blog =)
beijão

Marcus Valerio XR disse...

Ainda que tardia, quero parabenizar a iniciativa dessa publicação por ajudar a denunciar essa tensão entre a concepção existencialista do feminismo, e a essencialista do homossexualismo, em seus sentidos ideológicos.

Considerando que, como movimentos sociais, são frequentemente aliados, devem uma explicação e harmonização melhor de suas concepções.

Penso que um meio termo saudável seria o ideal. Isto é, embora seja provável que muitos homossexuais não escolhem de fato sua orientação, outros o fazem, e não se deveria ter vergonha, e muito menos esconder, a legitimidade dessa escolha. Assim como, apesar da construção social do gênero, deve-se reconhecer a base biológica sobre a qual esta se edifica, e lutar para eliminar a ojeriza que o feminismo frequentemente nutre por conhecimentos advindos da Psicologia Evolutiva, que vistos devidamente, são na verdade úteis para completar uma descrição mais apurada da sexualidade.

Marcus Valerio XR
xr.pro.br

Marcus Valerio XR disse...

Ainda que tardia, quero parabenizar a iniciativa dessa publicação por ajudar a denunciar essa tensão entre a concepção existencialista do feminismo, e a essencialista do homossexualismo, em seus sentidos ideológicos.

Considerando que, como movimentos sociais, são frequentemente aliados, devem uma explicação e harmonização melhor de suas concepções.

Penso que um meio termo saudável seria o ideal. Isto é, embora seja provável que muitos homossexuais não escolhem de fato sua orientação, outros o fazem, e não se deveria ter vergonha, e muito menos esconder, a legitimidade dessa escolha. Assim como, apesar da construção social do gênero, deve-se reconhecer a base biológica sobre a qual esta se edifica, e lutar para eliminar a ojeriza que o feminismo frequentemente nutre por conhecimentos advindos da Psicologia Evolutiva, que vistos devidamente, são na verdade úteis para completar uma descrição mais apurada da sexualidade.

Marcus Valerio XR
xr.pro.br