quinta-feira, 22 de novembro de 2007

trans: flexibilizacao do feminismo

eu por algum tempo tive duvidas do porque o mov queer e o mov pós genero iriam escolher tal grupo de pessoas, que sao basicamente agentes de genero para estar do seu lado. Se eles estao tentando passar aquela coisa de "nada é real", ter alguem do seu lado falando que algo é real e esse algo nao esta nos seus corpos, nao poderia gerar algum conflito? Entao percebi como é na verdade perfeito. Que os beneficios de se ter pessoas trans aos seus lados sao muitos maiores que os danos que possam causar. Transsexualidade é uma otima arma para desestabilizar o terrível sistema binário de genero, que a critica feminista é tao dependente de. São perfeitos para flexibilizar ideias de genero e é isso que o mov queer sempre foi, uma grande busca pela flexibilizacao do posicionamento. Usam diversos grupos em pequenas frontes para cada questao que possa vir necessitar posicionamento seja rebutada. Bdsmers sao perfeitos para criticas à tortura, trans para genero como arma de ocupacao e exterminio. Bravo!


Como trans servem o anti feminismo


Trans, para evitar a critica feminista ao genero. se voltam à privatização vivencial em uma ode anti coletivista. Muitos são os chamados de exclusão de opinioes estrangeiras acompanhados de cantos como "voce nao é trans! nao pode me entender, logo debater o que sou". Além da ignorancia politica que tal posicao apresenta(afinal já q estamos ai que tal te lembrar q voces nao sao mulheres? nao podem falar sobre elas ou clamar algo delas como seu? que tal?), é um otima maneira de alimentar o backlash ao feminismo. A 3ra onda, os conservadores da familia, as prostitutas e diversos grupos se unieram em uma unica plataforma: feministas nao falam por todas as mulheres. (São um grupo de loucas, se me perguntarem) Trans alimenta essa posicao também ao tentar isolar um grupo que se opoem a eles, usam de misoginia enrustida e assédio partidario. Impressionante. Me digam, quais outras formas mais de combater união das mulheres e força grupal?

terça-feira, 13 de novembro de 2007

O Q SIGNIFICA O PÓS MODERNISMO SEXUAL

o pós-modernismo instaurado por foucault, derrida é um q rejeita a noção de verdade universal, se opoem a conceitos totalitários de verdade e enxergam opressão aonde nao há multiplicidade. Bom, o pós-modernismo é um ataque da academia na classe trabalhadora, é um mecanismo da elite academica de prevenir posicionamento e consciencia de classe entre os trabalhadores. Em uma sociedade patriarcal capitalista é óbvio q existem formas de opressão, mas o pos modernismo clama o relativismo, falam q nao é bem assim. q a realidade é multipla, que existe o acaso, que existem os pontos de vista, que a opressão é semiótica. Escrevem para confundir quem le em nao perceber sua opressão material, pq ela existe. Marx era materialista, dworkin era materialista, marcuse era. São pessoas que escreviam sobre formas de opressoes materiais e reais. O pos moderno pós-historia ignora esse conceito, falam q a historia é discurso e q as relacoes interpessoais são performance. enfim, as feministas radicais tinham um discurso bem material, denunciavam uma opressão existente e q pode ser pautada e abolida. Ai como falei dos grupos acimas, sentiam q suas praticas estavam em perigo pela denuncia feminista radical. Como poderiam continuar batendo uns nos outros com correntes e chicotes em roupas de couro? Ou continuar consumindo pornografia em q pessoas excluidas economicamente se prestavam a uma humilhacao q quem assiste nao se prestaria? Tcha-ram. Veio o pós-feminismo pós-genero pós-pornográfico queer liberal burgues. A rainha deles é a judith butler q pegou conceitos bem básicos do feminismo e deu uma luz pós-moderna e chamou de estudos do genero. O generismo acredita em respostas personalizadas ao problema do genero. Ao inves das mulheres sairem as ruas lutando para q prostituicao seja exterminada, pornografia abolida e patriarcado dizimado, elas podem agora no conforto de seus lares subverterem suas opressoes. Podem performar sua condição. A subversão é o conceito chave nas politicas pós-modernas sexuais.


Ao inves de buscar uma solução material para a questao patriarcal, agora vc pode de forma individual trabalhar a sua questão. As politicas de empoderamento empoderam o individuo. entao agora vc pode brincar com todos os signos opressivos, troca-los de ordem e dizer q inventou uma nova ordem social abstrata. Vc pode trocar o vocabulario q usa, imitar praticas opressivas mercantis para desestabiliza-las, voce pode fazer tudo. As lesbicas podem agora bater umas nas outras, ir em shows de strip-tease e beber cerveja. Os gays podem fazer o q sempre continuaram fazendo, expressando seus sintomas de auto odio por viver em uma sociedade homofobica e dizer q estao desestabilizando masculinidade e papeis de genero. É obvio q devemos destruir a noção dos generos. Mas nós precisamos de uma NOVA VERSÃO, nao uma SUBVERSÃO. SUB está dentro do paradigma referencial, nao traz nada novo. Nós precisamos criar um espaço novo livre de opressao e nao brincar com a opressao. Não trocar de lugar, mas destrui-lo. A critica das radicais aos trans por exemplo era q eles dependiam de um sistema de genero, pq sentiam q "eram" garotas e deveriam entao se portar de tal modo. Mas em uma sociedade realmente sem genero nao existiria "garota" e seus modos. Estranho os pós-generistas abracarem a causa trans falando q era destroi o genero qdo na verdade só reinforça, falando q existe. O motivo real para a adoção da otica pós-modernista na arena sexual promovida pelos queers, pró-porns etc é pq eles não podem se posicionar. Nao como as feministas radicais faziam. Elas se posicionavam em frente a um problema e demandavam uma resposta. Os queers-sexy-liberal-90s- nao podem, nao enquanto estao se batendo, se filmando apanhando, comprando mulheres e consumindo seus corpos. Entao com o medo de se verem obrigados a tomar uma posicao, falam q hei, nao existe posiçao, perai... tudo é multiplo demais para eu tomar uma posicao. se posicionar é reacionario! Entao inventam toda uma literatura confusa q se acaba em si mesmo e q nunca asserta se algo é bom ou ruim
Eles nao podem assertar q algo é bom ou ruim, pq estao fazendo coisas ruins. Estao batendo em mulheres, comprando e bebendo seus corpos. Nao podem ter o luxo de se posicionar. A conjunção queer nos anos 80 de todos os grupos q foram estigmatizados pelo discurso radical é uma forma de tentar estabelecer essa gama de multiplicidade q eles pensam irá destruir o discurso material. Mas eles nao são tao originais, nao existe multiplicidade. Eles copiam praticas q são bem básicas, nao tem nada de novo. A unica coisa nova q existia era a demanda feminista de um espaço onde nao há tirania. Sò ai. Entoa eles precisam criar esses pontos de confusao e distração pos modernos pq se formos considerar seus comportamentos em uma luz clara, são totalmente reacionarios, opressivos, cristão, patriarcais, racista, etc. Eles precisam de todo o liberalismo para existir, precisam falar q são anti censura para continuar comprando dor de mulheres, precisam falar q são anti-rotulo pq eles precisam impedir q uma identidade coletiva seja criada entre mulheres, homossexuais. Eles tem q impedir a unificação, tem q destruir a memoria, falar q são pós isso pós aquilo pq se as pessoas se juntarem e perceberem q hey, o q nós passamos é bem parecido, e o problema pode ser esse daqui, eles vão cair. Vão ser expostos como os agentes patriarcais q são. Portanto eles podem brincar o quanto podem com a opressão deles, performar, trocar de lugar, fazer videos faca voce mesmo de pornografia. Eles precisam subverter pq eles vivem em um lugar em q nao é possivel q isso nao exista. Eles nao imaginam q possa existir a nao-tirania. A anti-tirania feminista radical. Eles entao se acomodam, acham q é inerente, q o patriarcado é inerente, q o capitalismo é inerente pq se por um momento achassem q nao é, teriam q mudar. Se em algum momento ouvissem as radicais falando q nao aceitam a ordem atual das coisas, teriam q tentar e nao podem, pq sentem prazer aonde estão. pq gozam com as imagens de seu proprio exterminio, e no meio tempo, clamam falar por todos nós. Nao

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

RELACIONAMENTOS ABERTOS

Do pessoal ao político - revolução cotidiana e libertária
Por Clarisse Chiappini Castilhos[1]

Estas são livres reflexões sobre a dimensão política de vivências pessoais. Pretendo aqui contribuir para levar adiante aquela discussão tão essencial – e tão difícil: o aprofundamento do significado político / pessoal dos relacionamentos abertos[2]. Mais ainda, conversar sobre a vivência cotidiana dessa luta.
Essa proposta de discussão tem base em longas conversas com MarianaPessah, bem como outras amigas e companheiras.


um pouquinho de his-tória e hers-tória ...

Gostaria de me apresentar como uma pós-hippie, pós-68, ainda-feminista, ainda-esquerdista, marxista com pitadas de anarkismo, tentando encontrar um espaço nesse mundo estupidamente dominado pelo estúpido pensamento pós-moderno e neo-liberal. Por isso não abandono o debate tão vivo nos anos 70 sobre “monogamia” - um tema central nas lutas libertárias e intimamente relacionado à idéia de “relações abertas”.

O próprio marxismo nos mostra que a família monogâmica se formou para garantir a transmissão da herança gerada pela acumulação de excedente (Engels). Esse pensamento nos leva também a concluir que o núcleo familiar monogâmico patriarcal, definiu rigorosamente o papel exercido pelo homem e pela mulher, papéis esses que sempre colocaram o homem na esfera do poder.

No capitalismo, essa estrutura caiu como uma luva, favorecendo nitidamente a reprodução do capital através da ampliação da mais valia. De que forma? Dentre outras sutilezas, porque a ação das mulheres nesse micro sistema contribuiu, e contribui, para a redução do custo de reprodução da mão-de-obra e assim para o pagamento de menores salários à classe operária. A “fada do lar” zela pela alimentação, segurança, educação e bem-estar da família. Isso tudo sem cobrar nada. Se agregarmos o fato de que hoje a maioria das mulheres está engajada no mercado de trabalho, exercendo duplas ou triplas jornadas, e ainda sendo pior remunerada do que os homens, podemos formar um panorama mais completo do papel das mulheres no sistema. Essa estrutura de funcionamento tem uma base material: transmissão da herança e redução do custo de reprodução da força de trabalho.

No entanto, o que hoje mais assegura a manutenção da estrutura familiar monogâmica é sua função ideológica, o seu simbolismo de felicidade, de única forma possível de bem-estar. Essa ideologia – a da família monogâmica feliz - é tão poderosa quanto outras representações sociais como a autoridade patriarcal, como a proteção materna, e de seus macro-equivalentes como o Estado e as instituições. Essas representações são o instrumento mais eficaz para impedir o fim de um sistema econômico que somente se reproduz através da destruição material. É de ressaltar a importância que tem para o capitalismo, em sua fase atual, continuar com a submissão das mulheres, ainda que disfarçada atrás de formas mais sofisticadas.

“O aspecto mais importante da família na manutenção do domínio do capital sobre a sociedade é a perpetuação- e a internalização- do sistema de valores profundamente iníquo, que não permite contestar a autoridade do capital, que determina o que pode ser considerado um rumo aceitável de ação dos indivíduos que querem ser aceitos como normais, em vez de desqualificados por “comportamento não conformista” (Mészáros, 2002,p. 271)

E como se passou no socialismo real? A vanguarda da revolução russa, coerente com a crítica marxista da família, organizou comunas para substituir o núcleo familiar tradicional. Nessa fase temos a pioneira Alexandra Kolontai, com todos os limites próprios a uma pensadora imersa num processo revolucionário. Infelizmente, essa revolução foi logo retomada pelo poder patriarcal e por sua conseqüente rigidez moral. O moralismo capitalista foi transformado em moralismo socialista, cheio de regras e de “patrulhas ideológicas”. Tudo o que era estranho, como o amor entre pessoas do mesmo sexo, era considerado “desvio burguês”. Essa experiência durou pouco e, 90 anos depois, @s russ@s continuam se agregando em famílias monogâmicas, tradicionais e repressoras. Esse exemplo mostra a força da ideologia que mantém as bases de um sistema econômico decadente, mesmo que em forma de farsa, como nos antigos países socialistas. Com isso prolonga sua sobrevida e a nossa agonia.

Quem viveu a luta dos anos 60’/70’ tinha como meta a transformação plena, da economia, da cultura e dos valores. A revolução econômica ligada à revolução sexual. A crítica se estendia do chamado marxismo vulgar (economicismo) à psicologia freudiana (civilização é repressão). A criação de uma nova sociedade não passaria apenas pela coletivização dos meios de produção era necessário criar uma nova ideologia, um novo cotidiano.


a revolução cotidiana e a lesbianidade

Sabemos muito bem para onde o socialismo real / patriarcal, nos conduziu. Conhecemos perfeitamente os efeitos pessoais e sociais do dogmatismo moral da família tradicional. A história da família é a história de repressão da criatividade, da sexualidade e do prazer.

A família nuclear monogâmica servia - e ainda serve - para controlar a libido humana (em particular da mulher); para reprimir seu prazer - principal fonte de imaginação e de criatividade-; para fabricar uma infelicidade que gera silêncio e submissão. Uma submissão necessária à reprodução do capital e do mundo de dominância masculino. O riso, a alegria e a irreverência são obras do demônio e devem ser eliminadas e controladas pela culpa.
Como dizia Jorge, o frei cego do Nome da Rosa, a propósito do segundo livro da poética de Aristóteles[3]: “(...) O riso libera o aldeão do medo do diabo, porque na festa dos tolos também o diabo aparece pobre e tolo portanto controlável. Mas este livro (o segundo livro da Poética) poderia ensinar que libertar-se do medo do diabo é sabedoria. (...) a lei é imposta pelo medo, cujo verdadeiro nome é temor a Deus. E deste livro poderia partir a fagulha luciferina que atearia no mundo inteiro um novo incêndio (...). (Eco, 2003, p.455) A civilização judaico – cristã - muçulmana é a civilização da repressão e da culpa. Esta é a verdadeira história da humanidade.

a revolução dentro de casa

Até aqui apresentei livres reflexões que podem conter algumas imprecisões, mas são o pano de fundo do debate que proponho retomar em profundidade: as relações abertas na luta cotidiana; o desafio que enfrentamos no dia - dia desde uma perspectiva lésbica- feminista- autônoma e revolucionária.

Vamos partir de algumas constatações:
-Primeira: a pedra fundamental para a manutenção da família hetero monogâmica é a “fidelidade” da mulher.
-Segunda: nas “famílias” lésbicas, a prática não é muito diferente.

É da segunda que quero começar a pensar. No dia-a-dia os relacionamentos lésbicos não se diferenciam radicalmente dos relacionamentos heteros! Mesmo entre aquelas que consideram que ser lésbica é também, e antes de tudo, um ato político. De modo geral, dentro das relações amorosas lésbicas, a materialização dos desejos da outra, a possibilidade de viver novas relações sexo-afetivas - e mesmo apenas afetivas- fora dessa união, são vistas com muita desconfiança e com muito medo. Na maior parte das vezes resulta ou em finalização da união ou na repressão desses impulsos.

De fato, conviver com a perspectiva de mudar essa situação no cotidiano - não somente nas teorias e debates - é uma situação difícil e dolorosa. É como andar no fio da navalha, no limite entre a realização plena para uma e a frustração para a outra. No entanto essa pode ser uma construção solidária muito criativa, prazerosa e, sobretudo, o resgate da nossa alegria humana. Essa é, com certeza, uma das bases da revolução cotidiana e permanente.

A experiência pessoal de quem viveu maio de 68 e daquelas que continuaram resistindo, foi uma sucessão de tentativas de realizar o desejo de ser livre no corpo e nos pensamentos. Uma luta cotidiana para contrapor-se à acomodação e à sedução de inserção bem comportada proposta pelo capitalismo.

Mais difícil torna-se viver esse sonho no cotidiano de uma relação amorosa, dividindo o dia-a-dia com uma companheira, onde as duas se amem, se desejem e possam criar juntas.
Viver essa situação só pode acontecer dentro de uma base de muita sinceridade que contém a renovação compartilhada dessa revolução cotidiana e permanente. Somente a partir de conversas constantes e solidárias foi possível progredir sobre esse tema, apesar de sua complexidade. Num contexto de liberdade torna-se possível a convivência com novos amores e permite as pessoas envolvidas nessa situação tomar uma via (ou uma transvia) mais verdadeira e mais prazerosa.

As dificuldades são grandes. Do lado de quem está consciente que a sua parceira está envolvida/encantada/apaixonada por outra mulher ocorrem muitas crises de insegurança (de inspiração hetero - patriarcal, é bem verdade, mas nem por isso menos dolorosas). Uma vez que se consegue conviver com esses sentimentos, a superação da sensação de posse (que também não é nada simples) leva a uma libertação dos próprios sentimentos.

O essencial para conviver com essa nova situação é falar tudo dentro do relacionamento. Aquele papo de “só contar quando for algo mais sério” não funciona. É um embuste. Em primeiro lugar, porque está abalando a capacidade de percepção e de conhecimento de uma pela outra:
uma -eu sinto que ela está com outra relação, ou a fim de outra mulher, mas é paranóia... Se eu falar, ela vai se sentir agredida.
outra – Tem sentido falar se talvez termine amanhã?

É possível antecipar ou afirmar os rumos de uma relação aberta ou fechada? Penso que o primeiro passo é que todas as mulheres envolvidas têm que conhecer a verdade. Tudo precisa ficar explicito, mesmo que seja “eu não sei o que vai acontecer a partir de agora...”.

Compreendendo e vivendo esse processo, junto com uma companheira engajada nessa mesma busca, pode-se sentir um profundo sentimento de libertação. Numa situação como essa o ciúme e a posse perdem o sentido (mesmo que sigam existindo). Permanece o medo de “perder” que também é uma possibilidade numa relação monogâmica ou fechada. A possibilidade de esconder os sentimentos que possa (eu também) ter por uma terceira pessoa, também perde o sentido.

Reitero que é necessário muito cuidado com a(s) pessoa(s) amada(s). Vale a pena ser exposta a situações diárias e freqüentes de divisão de privacidade? É essencial preservar a intimidade e a especificidade das relações. Penso que esse convívio constante expõe a pessoa que está tendo outras relações a um stress de tentar “ajustar” as coisas, e as outras duas a muitas oscilações por imaginar coisas que não são ditas, sentimentos que estão sendo reprimidos. Em suma, penso que viver relações paralelas não pode cortar o fluxo de energia entre as pessoas que dela participam.

Como venho defendendo desde o início, a forma de trilhar o caminho do desafio é muita subjetiva. Mas, penso que cada uma deveria encontrar a forma de inserir suas próprias particularidades e individualidades nesse processo. Uma das minhas, é manter minha paz que também é um elemento de criação.


Até onde levaram nossos diálogos...

A prática, desta vez, me levou a acreditar que não tem o menor sentido perder sentimentos tão profundos e tão criativos - e raros - que podem unir duas mulheres, nem esse desejo que sentimos quando estamos bem. Também não tem o menor sentido que cada uma impeça a realização dos mais diversos impulsos criativos da outra. São relações diferentes, com pessoas diferentes. É como se retirássemos um véu que nos separa de nossa essência e que finalmente passássemos a nos ver face a face. Com todas nossas dificuldades e desejos. Enfim mais humanas, mais revolucionárias, com mais força para transformar esse mundo patriarcal, classista e racista. Isso me enche de amor por minha companheira e me dá vontade de ser inteira e plena. Afinal, como dizem @s existencialistas, viver é carência de ser.

Se a revolução social parece uma meta tão distante, ela pode ocorrer dentro de casa, desde que sua dimensão social não se extravie. Na realidade é somente na dialética individual / social que pode se construir um processo revolucionário que seja permanente e representativo dos conflitos que fundamentam todos os movimentos sociais. É a revolução do prazer, da criação e da mais profunda sinceridade.

Com tudo isso, quero deixar expresso que não pretendo escrever nenhum manual sobre relações abertas. Essa é uma experiência subjetiva (mesmo que política) que não tem regras, assim como a sociedade que nós queremos criar e viver desde agora. É parte de nossa revolução cotidiana e libertária.



Referências:

Engels, F. (s.d.) El origen de la família, la propiedad privada y el Estado. Ed. Progresso, Moscú.
Mészáros, I. (2002) Para além do capital. Ed. Boitempo/ Ed. UNICAMP, São Paulo.
Eco, U. (2003) O Nome da Rosa. Ed. O Globo, Rio de Janeiro/ Folha de São Paulo, São Paulo.
Da visibilidade à Luta LésbiKa ou a metáfora da “tortilla[8]

por m a r i a n a p e s s a h
[9]

Eu dividi este trabalho em duas partes. A primeira é este texto. A segunda é o fotoblog – ou galeria de fotos on line - chamado Luta LésbiKa. O objetivo desse fotoblog é, embora de forma subjetiva, mostrar- visibilizar nossa Luta LésbiKa.

http://www.flickr.com/photos/83523012@N00


Com a chegada do mês de agosto parei para pensar sobre a questão da visibilidade lésbica. Como se sabe, no Brasil o dia 29 de agosto é o Dia Nacional e, ainda que pareça contraditório, essa história de visibilidade acaba me parecendo um pouco abstrata. O que afinal se quer mostrar?
Penso que a visibilidade tem que ser uma ferramenta para a luta, não um fim em si mesmo. O que me parece é que esta data visibiliza as diferentes posturas que existem dentro do movimento lésbico - algumas mais centradas na causa única, outras interagindo com outros movimentos sociais.


Vamos falar de v i s i b i l i d a d e


Se falamos estritamente de visibilizar, ou seja, de VER - mostrar no cotidiano, se percebe uma mudança importante. Pela rua podemos identificar lésbicas entre tantas heterossexuais. Inclusive me parece muito sensual quando vejo mulheres trocando carinhos no parque.
Também me alegra quando vejo famílias que já não se horrorizam, nem se incomodam por ter uma filha, irmã, neta ou avó lésbica.
É verdade, nas novas gerações já se vê mudanças. Recordo que nos primeiros anos de minha juventude nem sequer sabia se lésbica se escrevia com “b” ou “v”, e não seria justamente para minha mãe – que possuía uma excelente redação – a quem eu perguntaria
[10]. As gerações atuais, sobretudo a classe média, da maioria dos países ocidentais, já estabeleceram um diálogo mais aberto com suas mães e passam por muito menos traumas.


Apesar disso me pergunto: v i s i b i l i z a r é s u f i c i e n t e ? Este é o ponto onde almejamos chegar, ou aspiramos algo mais?

Se esta idéia é um pouco abstrata não corremos o risco de ficarmos sozinhas? Somente nós lésbicas devemos nos visibilizar?
Durante esses dias o correio fica abarrotado de mails anunciando eventos que se sucedem durante o mês de agosto. Entre os muitos que recebi, um em especial me chamou a atenção. Uma mulher heterossexual deixava bem explícito “recebi e estou enviando” leia-se nas entrelinhas eu não sou lésbica. A mim nunca me ocorreria, frente à legalização - despenalização do aborto explicitar se eu abortei ou não. Isso, simplesmente faz parte de minha luta e a ninguém importa o que se passa especificamente com meu corpo. Esse dado é um divisor de águas: nós e elas.
Esse fato me faz lembrar da pouca consciência social que existe. É suficiente ver mulheres abraçadas nas ruas, agitando bandeiras coloridas quando as próprias mulheres do movimento feminista ainda devem explicar que não são lésbicas? Até que ponto avançamos?


Até onde queremos chegar?

Aqui aparece uma das grandes divisões do movimento. Há aquelas que lutam simplesmente pela visibilidade, ou seja, por ser vista, por mostrar sua existência, o que não me parece um fato menor, mas simplesmente incompleto por falta de uma proposta mais radical e profunda.
O que entendo que deveria ser movimento social está sendo reduzido a um só movimento de bandeira. Movimento de uma causa única. Seguindo o exemplo da alopatia, onde se recorta o corpo em pedaços e cada especialista se ocupa de curar sua parte. A mesma coisa sucede em nosso corpo social. Cada grupo agita sua própria bandeira sem entrelaçar-se com outras. Esse isolamento retira a abrangência social do movimento, torna-o mais digerível aos olhos do sistema, deixando essa luta sem possibilidades revolucionárias e transformadoras.

Muitas lésbicas se definem a si próprias como gays, homossexuais femininas
[11], entendidas, e inclusive lésbicas, mas o fazem unicamente como referência a uma orientação sexual diferente da norma. Como diz a socióloga e aKtivista francesa Jules Falquet em seu recente trabalho[12]. : “…essa perspectiva não é suficiente se não estiver acompanhada por uma reflexão materialista[13]. Podemos ver, analisando o esforço feminista internacional autônomo de maior alcance que existe hoje[14]: a Marcha Mundial das Mulheres, estudada pela socióloga francesa Elsa Galerand (2006), que tem entre suas reivindicações o respeito à “preferência sexual". Galerand demonstra que esta demanda reflete uma verdadeira desmaterialização de nossas lutas, porque reduz a lesbianidade ao nível de uma simples “preferência”, o que acaba por invisibilizar o fato de que a sexualidade constitui um elemento central das relações sociais de sexo — neste caso, da dominação dos varões e da heterossexualidade”


A metáfora da t o r t i l l a

Na América Latina e no Caribe um dos nomes pejorativos que a sociedade homo - lesbofóbica inventou para chamar as lésbicas é “tortillera”. Uma de nossas estratégias é justamente retomar, resignificar cada nome, cada insulto com que nos “presenteiam” e dessa maneira deixarmos o opressor sem respostas.

Há dois anos atrás, na abertura do VI Encontro Lésbico Feminista de AMLAC, no México, durante o ato de abertura que se realizou em um teatro, a atriz e pensadora Jesusa Rodríguez tinha uma “tortilla” na mão e – com muito humor - nos perguntava às lesbianas aí presentes se sabíamos qual a origem desse nome. Nunca me havia posto a pensar nisso e a pergunta continuou dando voltas na minha cabeça.

Gostaria de aproveitar essa data para re-pensar a metáfora da “tortilla”. Como revolucionária e “tortillera” quero dar a volta na realidade, que o que está embaixo, passe para cima! Mas, pensando a partir de outra lógica, não vejo necessidade de que o que esteja encima deva descer.
Vendo desde outro ângulo, não somente como orientação ou preferência sexual, a lesbianidade é uma sexualidade que não pertence à norma, isso quer dizer que está fora do sistema heteronormativo. A partir dessa visão, é mais fácil desestabilizar o sistema. Porque querer integrar-se? Ao contrário, como propõe a feminista materialista Monique Witting, temos a frigideira preparada e a tampa da panela – como utilizava minha avó – para dar a volta na “tortilla”.

“A categoria sexo é uma categoria política que fundamenta a sociedade enquanto heterossexual. Dessa forma, não é uma questão de “ser” mas de relações (porque as “mulheres” e os “homens” são o resultado de relações). A categoria de sexo é a categoria que estabelece como “natural” a relação que está na base da sociedade (heterossexual) e através da qual, a metade da população – as mulheres – são “heterossexualizadas” (a fabricação de mulheres é semelhante à fabricação de eunucos, à criação de escravas - os e de animais) e submetidas a uma economia heterossexual. Isso porque a categoria de sexo é o produto da sociedade heterossexual que impõe às mulheres a obrigação absoluta da reprodução da “espécie”, ou seja, da reprodução da sociedade heterossexual.”
A obrigação de reprodução da “espécie” que é atribuída às mulheres é o sistema de exploração sobre o qual se funda a economia heterossexual”
[15].


Aqui M. W. começa a descascar as batatas para fazer a “tortilla” - explicando as categorias sociais de homens e mulheres - para logo chegar a sua frase muito conhecida que as lésbicas não são - somos mulheres. Por que? Desde o momento que saímos da lógica heterosexualizante, podemos pensar em outra sociedade, ver a partir do lado de fora e construir outros valores, economias, categorias sociais, etc. Ou seja, que a “tortilla” é para toda a humanidade, não somente para as lésbicas.
Por isso é tão importante entender nossa luta, nossa lesbianidade como uma ferramenta política e revolucionária, não somente uma luta pela visibilidade.



Visibilizar a l u t a


Pelo exposto aqui, não quero um dia de visibilidade para somente mostrar lésbicas abraçando-se e beijando-se e, muito menos, mulheres nuas[16].
Quero neste momento – espaço dar visibilidade a nossas Lutas, desejos, objetivos, vidas, paraísos, pensamentos. O que quero é dar visibilidade a nossa Luta Lésbika.

Por isso dividi meu trabalho em duas partes. A primeira é esse texto que acabaram de ler, e a segunda é a galeria de fotos Luta LésbiKa.

Convido agora a clicar em:
http://www.flickr.com/photos/83523012@N00/
Porque a Luta continua.



[8] Tortilla é uma comida que se prepara com ovos, uma das mais conhecidas se faz com batatas. Para que ela esteja bem cozida, deve ser feita primeiro de um lado e logo depois tem que ser virada.
Em AMLAC, as sapatas somos chamadas de tortilla - tortillera.

[9] mariana pessah é artista lésbica e ativista feminista, também artista feminista e ativista lésbica latino-americana e caribenha. Pertence ao espaço Mulheres Rebeldes e EM REBELDIA http://enrebeldia.blogspot.com/ radicaldesdelaraiz@yahoo.com.br / marianapessah@yahoo.com.br

[10] Essa confusão se explica na língua Argentina onde se confunde mais facilmente a pronúncia de b e v. (nota da tradutora).
[11] Tanto as palavras gay, como homossexual possuem no imaginário coletivo uma idéia de homem que gosta de homens. Nunca aparecem as mulheres por isso é tão importante apropriar-se da palavra lésbica que tem uma his - herstoria mujeril. Origina-se de Lesbos, uma ilha da Grécia antiga, onde 400 anos AC, existiu Safo, a primeira referência his - herstórica de uma mulher que tenha amado a outras mulheres. Com mais razão, se falamos de visibilidade, é necessário utilizar palavras que nos visibilizem.

[12] “La pareja, este doloroso problema” exposição apresentada no Quinto Colóquio Internacional de Estudos Lésbicos “Tudo sobre o amor”, organizado por Bagdam Espace Lesbien em Toulouse (França).

[13] Por materialista, entendo uma análise que parte da situação material, econômica, histórica, concreta e cotidiana das pessoas, ao invés de enfocar a reflexão sobre aspectos ideológicos, culturais, psicológicos ou emocionais. Também mais específicamente reivindico (entre muitos outros) os aportes téoricos do feminismo materialista “francês”, que desenvolveu o conceito chave da “apropriação individual e coletiva das mulheres” e a idéia que as mulheres somos una classe social definida por tal mecanismo de apropriação (e de nenhuma maneira um grupo biológico), em especial Christine Delphy, Nicole Claude Mathieu, Colette Guillaumin, Paola Tabet e Monique Wittig. Para maiores detalhes, ver Curiel e Falquet, 2005.

[14] Falo aqui de projetos políticos e organizativos nascidos do movimento feminista e não daqueles criados pelas instituições internacionais a partir das grandes conferências e demais atividades recuperadoras organizadas pela ONU. Sem dúvida cabe a pergunta de quão autônomos são os inumeráveis grupos que, apesar de não nascer diretamente da ONU, recebem financiamentos estatais, de igrejas ou de agências de cooperação. Agradeço a Yan María Castro por seu comentário a respeito, no marco da discussão eletrônica deste artigo.

[15] Monique Witting: Le pensée straight Éditions Balland, 2001, pag. 46.

[16] En una actitud que podría reforzar la visión masculinista que tiene el patriarcado de nuestros cuerpos, al igual que la publicidad, que también utiliza nuestras “partes” para vender sus productos. Digo solamente “partes”, porque rara vez he visto una publicidad cuyo valor sea la inteligencia de una mujer, con lo cual, faltando la cabeza, quedan sus “partes”.
Subvertendo o patriarcado a partir de uma aposta lésbica- feminista

X Encontro Feminista da América Latina e do Caribe
9-12 de outubro, 2005
Serra Negra, São Paulo


Ochy Curiel


Esta voz que hoje tem o privilégio de abrir o debate neste X encontro feminista não é apenas minha, comigo falam Las Chinchetas, Lesbianas Feministas en Colectiva, Mulheres Rebeldes e Brecha Lésbica que do México, Buenos Aires, Porto Alegre e Paris tecemos uma trama de cumplicidades políticas, ultrapassando fronteiras. Não sou representante delas, não substituo suas próprias vozes, mas por apostar numa construção coletiva lésbica-feminista, aproveito este espaço para evidenciar nossa posição política face o tema proposto neste painel: a radicalização da democracia.

“Radicalização”, “Democracia”, dois conceitos políticos contraditórios, impossíveis de serem unidos a partir de uma proposta crítica e revolucionariamente feminista.

Democracia continua sendo hoje, mais do que nunca, um conceito patriarcal e liberal que se apresenta como uma matriz civilizatória, como a aspiração de sujeito ilustrado que o feminismo da segunda onda tanto criticou por ter se instalado desde a ótica de uma masculinidade branca, heterossexual e com privilégios de classe.

Ainda que a democracia, em muitos momentos históricos tenha aparecido como um conceito oposto ao de ditadura, regime que durante muitos anos perdurou em muitos de nossos países latinoamericanos e caribenhos e cujas seqüelas continuam presentes, até onde saibamos, não acabou com as desigualdades de classe, com o racismo, com a heteronormatividade e com o sexismo…. Nunca. Todo mundo fala de democracia: os estados, os governos, os partidos, as Nações Unidas, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, as instituições responsáveis por difundir e estabelecer o patriarcado capitalista com a ajuda de muitas mulheres e feministas que seguem fazendo o jogo, hoje mais do nunca. Democracia é uma forma de organização social que tem que ser questionada e deve ser substituída, desde uma ótica feminista, por outras propostas mais participativas e sobretudo transformadoras.

Como é possível que depois de tanto tempo em que nós-outras vivemos nesta mentira, muitas ainda aspirem a ela? É preocupante, mas não é por acaso. Instalar-se nesta lógica mentirosa tem sido, para muitas feministas, a única política possível, mesmo que em prejuízo da própria história – de outras e delas mesmas. A cumplicidade segue impune vem dizendo vozes feministas desde o Encontro de Salvador, já faz um tempo: as cúmplices, as autônomas, as Mujeres Creando, Las Chinchetas entre muitas outras.

Pareceria que não há outras formas de sonhar com outros mundos, outras lógicas, outras utopias feministas fora das instituições patriarcais.

Dito isto não queremos dedicar este espaço a aprofundar a discussão sobre democracia porque nos colocamos em outro lugar e o conceito de radicalidade sim nos dá possibilidades de repensar uma nova utopia feminista.

Nós-outras, as lésbicas feministas, antirracistas e anticapitalistas apostamos na construção de outro mundo, um mundo libertário, ainda em construção, por sonhar e mais ainda por concretizar. E nos posicionamos a partir da radicalidade. Não aquela que acompanha como apelido o tema da democracia deste X Encontro, mas aquela que questiona, que duvida, que faz barulho, que cria e imagina, que parte de uma visão de que ser lésbica, afro-descendente, mestiça, indígena, feminista é uma posição política e não uma identidade essencial que nos leva a fragmentar o pensamento e aposta em como seria olhar somente desde identidades étnicas ou sexuais. Radicalidade que se expressa no combate a todas as formas de opressão, incluindo as que se geram em nossos movimentos e em nós mesmas. Radicalidade que assume como perspectiva central a autonomia política, ideológica e financeira. Não aceitamos que as financiadoras nos ditem o que temos que fazer ou dizer, também não permitimos que os governos e os estados controlem nossos corpos e nossa política.

Tratamos de construir solidariedades e cumplicidades entre mulheres, no Sul, no Norte ou entre Sul-Sul, Norte-Norte porque se bem entendemos que existem desigualdades estruturais de raça, classe, regiões, entre mulheres, aspiramos a que essas desigualdades desapareçam, pois se faz necessário unir os sonhos mais além das fronteiras que nos impõe o patriarcado. O feminismo sempre foi internacionalista e hoje, frente a esse mundo globalizado tem ainda mais razão para seguir sendo.

A construção coletiva é nossa aposta principal, e tratamos de dar conteúdo em nossas vidas cotidianas, com nossos afetos mais próximos, nossas famílias de origem, nossos grupos de ação políticas, nas comunidades onde vivemos. Isso significa desde assumir o compartilhamento das tarefas domésticas, ao invés de explorar o trabalho de outras mulheres, até gerar solidariedades e cumplicidades políticas, materiais e humanas. Esse continum lésbico de que falava Adrianne Rich continua sendo válido para a construção do movimento, continum que acredita na solidariedade entre todas as mulheres que lutam contra o patriarcado, mesmo sem ser lésbicas.

Ser lésbicas feministas radicais e autônomas é poder ter a capacidade e a valentia de não aceitar migalhas ou pedacinhos do pastel com a mesma receita patriarcal. É descer desse trem e ir muitas vezes a pé, pela calçada, pelas margens, apostando numa criatividade fora do convencional, com arte, teoria, com amor pelas mulheres, questionando o matrimonio, a família nuclear, o casal tradicional como únicas formas possíveis de amor, prazer e sobrevivência.

Nada disso é fácil. Vivemos plenas de contradições, temos limites, nos quebramos emocional e materialmente… A única coisa que nos permite sobreviver é porque acreditamos que é preciso mudar esse mundo, mudá-lo no fundo e na forma, porque estamos convencidas de que se sonhamos é porque isso pode acontecer.

Para mudá-lo entendemos que, mesmo que hoje seja necessário articular as lutas com outros movimentos, grupos, individuais e indivíduos, esta articulação não pode ser feita sem fundamentos políticos. Acreditamos na autonomia dos movimentos sociais e políticos porque as histórias e experiências particulares e específicas são as que demarcam as posições.

O feminismo como visão de mundo, como pensamento e prática política, como proposta de novas formas de vida é uma teoria política e uma ideologia mas, além disso e talvez muito mais importante, o feminismo é um movimento político. Como movimento político se assenta numa delimitação estratégica que dá sua especificidade, sua unidade, que permite a construção de um projeto político comum que o fundamenta e torna possível sua existência. Mulheres é uma categoria política que nos articula, com histórias e séculos de subordinação e de propostas. Não é identidade auto-definida, é uma construção social que devemos descontruir ao mesmo tempo em que nos serve para a política enquanto o patriarcado não for eliminado.

Nesse tempos em que palavra identidade ressoa suspeitosamente em nossos ouvidos, devemos questioná-la e ao mesmo tempo relativizar sua crítica e dar-nos conta de que qualquer grupo político, para ser definido como tal, deve delimitar o seu campo de ação, estabelecer linhas divisórias que definam seu próprio sujeito, que o demarquem. Isso é necessário para a política, para qualquer política. A proposta de avançar até uma solidariedade sem fundamento não deveria confundir-nos, não deveria ser tomada ilusoriamente, não deveria fazer-nos esquecer o paradoxo de que aquilo que faz a possibilidade da política é a demarcação de uma voz, de um corpo, de uma história de opressão compartilhada, mas sobretudo de um projeto político, que contém as especificidades porque é o que permite o surgimento de um discurso, de uma prática e de uma aposta.

Para que as mulheres nos constituamos como sujeitos políticos com corpos históricos, partimos de uma história de subordinação e de exploração que difere em grande medida de outros grupos humanos.
É a partir daí que defendemos a autonomia.

É por isso que frente às acusações de fundamentalistas, anti-democráticas quando defendemos os espaços de lésbicas e de nos mulheres respondemos:

Enquanto o patriarcado com suas opressões continuar cobrando vidas de mulheres, enquanto nos negue a possibilidade de levantar nossas vozes, enquanto nossos corpos seguem sendo estereotipados, utilizados, violados, racializados; enquanto se assuma a heteronormatividade como “o” modelo de relações erótico-amorosas-sexuais, enquanto se siga explorando sexual e econômicamente as mulheres, enquanto lhes seja pago um menor salário por igual trabalho que os homens… (e os etcéteras podem ser muito longos); nós, a partir de uma posição radical seguiremos defendendo os espaços políticos autônomos mesmo que abertos à articulação com outros movimentos sociais e sócio-sexuais.

Estamos dispostas a debater, coordenar e articular com os e as trans, assim como com outros grupos políticos, mas desde seus próprios espaços, assim como nós construímos o nosso.

Voltando ao tema central : a opressão e a exploração das mulheres e o desmoronamento deste mundo, a miséria e a violência crescente que nos esmaga, para este X encontro convidamos a retomar a ética feminista que questiona a fundo todas as opressões, que abre novas possibilidades humanas fora de toda lógica patriarcal e neoliberal, que constrói revoluções pessoais e coletivas com a solidariedade e com o apoio mútuo, desde a autogestão e a criatividade, que permita a nosso movimento andar com seus próprios pés, não no trem das Conferências Mundiais da ONU e seus processos pre e post preparatórios, que instalou a tecnocracia de gênero e busca cooptar nossos discursos e nossas práticas, mas uma ética desde o movimento social, somando energias, vozes e corpos.

Convidamos a retomar uma ética feminista que nos leve a solidarizar com outras lutas como a dos povos indígenas, afro-descendentes, gays, travestis, transexuais, pessoas com outras capacidades, meninas e meninos ... respeitando seus próprios processos políticos.

Temos que inventar, imaginar, porque aquilo que aspiramos não é um modelo, mas essa é também nossa vantagem, pois nos faz sair de toda lógica patriarcal. Temos que subverter, desobedecer, porque “só a desobediência nos fará livres”. Para que siga existindo flores, borboletas e passarinhos. Para que as mulheres comam e saciem sua fome. Para que o amor possa viver e florescer. Para que as crianças possam crescer, aprender música, sonhar. Para que as avós terminem suas vidas com dignidade e compartilhando sua sabedoria, em vez de mendigar nas ruas. Para que não haja mais mulheres assassinadas, violadas, espancadas, enganadas, forçadas a vender seu corpo nas esquinas da morte ou em bares nauseabundos. Para que não existam mais mulheres indígenas violadas pelos soldados, para que não haja mais trabalhadoras domésticas negras deixando suas filhas sem comer de manhã. É preciso fazer a revolução feminista, aquela que toca as bases materiais e simbólicas, aquela que nos fará dançar porque já seremos livres.
Justiça e Lesbianismo

Apresentamos um resumo da palestra de Yan María Yaoyólotl C.: “Justiça e Lesbianismo”. Se você deseja ler o texto integral, solicite para nós mulheres_rebeldes@hotmail.com ou diretamente para sua autora Yan@mujerarte.org


Essa palestra foi apresentada em agosto de 2006, na cidade de Zacatecas, México, durante FORUM DE ANÁLISE PARA PREVENIR E ERRADICAR A DISCRIMINAÇÃO - Conselho Nacional para a Prevenção da Discriminação. Yan explica que foi convidada como fundadora do Movimento de Lésbicas no México, mas não do movimento homossexual, nem do movimento lésbico-homossexual, (…)” pois isso ocorreu “em 1977, um ano antes da fundação do movimento homossexual” e que “sempre se manteve totalmente independente desse: duas provas disso são a realização das marchas lésbicas com um sentido totalmente diferente da gay parade e os Encontros Latino_americanos de Lésbicas”.


JUSTIÇA E LESBIANISMO

“É fundamental enfatizar que existe um antagonismo entre Diversidade sexual e Dissidência sexo-genérica, a primeira, é um movimento neo-liberal mercantil que responde aos ditames do livre mercado impulsionada pela globalização imperialista. O segundo, é um movimento social político e crítico que integra lesbianas, homossexuais, bissexuais, transgêneros e transexuais críticos e de esquerda, a que pertenço (…).
Pareceria que depois de 30 anos de luta teriam havido progressos extraordinários; que a situação das lésbicas agora é completamente diferente daquela “pré-história” do movimento; que hoje só falta afinar irregularidades ou omissões a respeito dos direitos civis, de trabalho e políticos das cidadãs lésbicas; (…) isto é uma ilusão, tal progresso é absolutamente relativo(…). Quando nos anos 70 (do século passado) afirmávamos: não buscamos a liberação das lésbicas dentro do capitalismo e, inclusive, mais além: nos negamos a aceitar a liberação lésbica dentro do capitalismo era porque entendíamos perfeitamente bem que no marco de um sistema econômico e político opressivo não era possível a liberação de nenhum ser humano. (…).
No entanto, durante essas últimas décadas de modelo econômico neo-liberal, o Mercado da Diversidade Sexual, MDS -que constitui uma parte fundamental do dito modelo- criou uma tecno-ideologia extremamente sofisticada em torno da sexualidade (queer, poli, s/m, pluri, metro, hard, adrenalina-sex, filias, SMS, etc.) como extensão fundamental do livre mercado. Ideologia promovida por muitos dos ex-ativistas do mesmo movimento GLTB que utilizam a comunidade sexo-genérica unicamente quando se trata de desenvolver e proteger seus negócios, líderes de opinião que promovem a ilusão de que já se goza de liberdade sexual porque se tem acesso a discos, roupas de marcas, hotéis, sex-shops, publicações, restaurantes, programas de TV e cinema e porque já se chegou ao Congresso e a postos públicos no governo, entre outras conquistas. (…).
Dentro desse marco de controle por parte do MSD sobre a sexualidade na lógica do livre mercado, a aplicação da noção de justiça ao setor social lésbico é algo totalmente incoerente(…).A colocação de alcançar justiça para as lésbicas dentro desse sistema social é um postulado totalmente capitalista, iniciativa que propõe a liberdade dentro da escravidão, para benefício de alguns. (...) o neo-liberalismo aprofunda de maneira brutal o abismo existente entre as classes sociais porque, mesmo que a classe política gay não queira ver, nossa sociedade está dividida em duas classe fundamentais: uma minúscula minoria que fundamenta seu poder sobre a mega exploração das grandes maiorias e as próprias maiorias que vivem submetidas a se mesmas.

Proposta do lesbianismo feminista re-evolucionário.
Frente a esse panorama, apresento uma proposta a partir de uma perspectiva lésbico-feminista re-evolucionária com relação à extensão da justiça ao setor de lésbicas s mexicanas.
A colocação da igualdade jurídica só será possível se ocorrer uma mudança de sistema social, uma mudança radical das estruturas que o compõe, isto é, se ocorrer a construção de um novo sistema econômico, político, social, cultural, sexual e espiritual que permita a construção de uma nova organização e estrutura interhumana que implique numa nova concepção do que deve ser a imparcialidade da justiça e a aplicação do direito.
Esta proposta –feita em um lugar tão institucional- pareceria uma colocação fora da realidade. Entretanto, essa iniciativa está sendo construída agora mesmo na Bolívia e na Venezuela, sem esquecer que foi a proposta que inspirou os projetos socialistas a nível mundial na primeira metade do século XX e que hoje mesmo está impulsionando o movimento zapatista, em nosso próprio país, através da iniciativa da Nova Constituinte.
Constituinte que consiste precisamente em reorganizar nossa nação de outra maneira, de uma forma que represente os interesses, não dos grupos que dominam e exploram a nação de maneira predatória e genocída, mas que represente o interesse das maiorias, e das minorias, de mexicanas e mexicanos, onde se incluem, certamente, as lésbicas.
Obviamente, essa iniciativa supõe uma transformação substancial que se choca com os interesses econômicos da oligarquia que domina nosso país (da qual fazem parte as empresas para gays e atualmente os empresários gays), ademais de chocar-se com os interesses das multinacionais (da qual faz parte o MDS), particularmente do imperialismo norte-americano. A todos eles também nos confrontamos as lésbicas de esquerda.
Tanto a justiça como o direito, só e unicamente podem ser possíveis em um sistema de igualdade econômica, política e social, portanto, falar exclusivamente de “igualdade social” (como fazem os ideólogos gays) sem falar de igualdade econômica e política constitui uma contradição absoluta. No México isso não existe logo não se pode falar de justiça, talvez de uma “justiça totalmente injusta”, de um aparato de justiça e de uma legalidade impostos por alguns para manter as maiorias submetidas, sob a aparência do conceito sagrado de democracia burguesa.
“Desde o desenvolvimento da democracia norte-americana dos anos 20 do século XIX (Jacksonian Democracy) a idéia de democracia estava inseparavelmente unida às categorías de “propriedade privada”, “individualismo” e “economia de mercado capitalista” (Chomsky, Dieterich, p. 145). Propriedade privada (na minha cama mando eu), individualismo (meu prazer e meu orgasmo, seja com quem for e por todos os meios possíveis) e livre mercado (o ideal de todo o gay é chegar a ser empresário) constituem os princípios sobre os quais se constrói a cultura gay burguesa e o Mercado da Diversidade Sexual.
É precisamente dentro desse contexto que se deve colocar a opressão social e a repressão sexual (....) que atualmente chama-se: discriminação sexual ou de gênero. No entanto, as análises dos teóricos, acadêmicos ou ideólogos capitalistas ou pro-capitalistas aglutinados na direita intelectual gay, reduzem a discriminação sexual à mera manifestação ideológico-cultural, sem colocá-la como parte da engrenagem da economia política capitalista patriarcal e imperial e, em conseqüência, se limitam a impulsionar uma série de leis para estender os direitos civis, trabalhistas e políticos sem questionar o problema de fundo. Sem questionar a estrutura econômico-política do sistema. Essa lógica converte a classe gay política em cúmplice do dito sistema.
Mudar a raiz do sistema, significaria reconstruir a sociedade mundial sobre bases sociais não opressivas mas apoiadas na colaboração, cooperação, solidariedade, contribuição, trabalho mútuo, crescimento conjunto e bem comum, entre outros; superando as relações de opressão, controle, dominação, conquista, submissão, invasão repressão, extermínio (Palestina, África, Chiapas), etc., todas elas sustentadas na exploração de uns sobre outros, o que constitui a essência do patriarcado. Inimigo fundamental que combatemos as lésbicas feministas (mas não os e as gays).
Hoje, falar nestes termos resulta ridículo ante uma devastadora ideologia neo-liberal que nos roubou a capacidade de transformar nossa própria realidade com se essa fosse um destino imutável, um capitalismo invencível; que nos despojou de nossa fé na possibilidade de desenhar criativamente novos modelos de organização social não opressiva, como se a divisão social em classe fosse imutável, um destino fatal. Em síntese, ideologia que nos faz crer na incapacidade dos povos, da classe trabalhadora, das mulheres, entre outras, de modificar a realidade. Realidade que unicamente os donos do dinheiro (os apropriadores da riqueza social) podem modificar: Bush ou Israel podem modificar a realidade geopolítica internacional a seu gosto sem se importar com o extermínio massivo de seres humanos.
Esse destino inexorável, que está afiançado, avaliado e fortalecido pela classe político-empresarial gay aunado à classe político-empresarial das generistas (ex-feministas ou feministas de direita) e pela esquerda oportunista, IO. Essa situação só pode ser transformada pelo povo, pelo Terceiro Mundo (nova concepção do Terceiro Mundo), pela classe trabalhadora, pelos indígenas, pelos trabalhadores agrícolas, pelos operários, pelas mulheres, pelos sem terra, pelos desempregados, pelos ançiãos e particularmente pelas lésbicas feministas.
O processo de construção da sociedade futura justa é possível aqui e agora e não em um “futuro distante” ou “até a tomada do poder”. Prova disso são as comunidades indígenas autônomas zapatistas que estabeleceram seus próprios governos e sua própria administração assim como sua própria aplicação de justiça, aqui e agora em Chiapas no sudeste mexicano.
Quando um Estado governa através da injustiça: a imposição (governador de Oaxaca), a repressão (Atenco), a corrupção (fraude eleitoral), a impunidade (Ciudad Juárez), a mentira (sistema bancário e financeiro), etc., (...) o povo tem todo o direito de desconhecer esse governo e de buscar seus próprios sistemas de justiça.
Sem aludir às utopias, mas ao socialismo-feminista “cientifico” e em particular ao lesbo-feminismo, a humanidade tem seus dias contados para uma transformação radical. Não apenas porque o planeta já não pode mais resistir ao aquecimento que as multinacionais geraram com sua contaminação, nem a pode terra suportar a devastação e depredação que essas empresas produziram, mas também pelo extermínio e anquilação massivos de grandes setores da humanidade através de enfermidades, do álcool, das drogas, do sexo compulsivo (MDS), dos programas televisivos de alienação mental, dos transgênicos, da manipulação genética, dos alimentos chatarra
[1], etc., impulsionados pelos governos capitalistas.
Hoje, o movimento lésbico-feminista assim como ao movimento da Dissidência sexo-genérica, MDG, nos cabe participar da reconstrução do planeta e da sociedade humana destruída pelo sistema heterosexista-patriarcal / capital-imperialista do qual são hoje pontuais o MDS e a cultura gay direitista, até a construção de uma sociedade totalmente livre da opressão social já que “ninguém será livre até que todas e todos sejamos livres”.
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LESBIANAS FEMINISTAS RE-EVOLUCIONARIAS.
Yan María Yaoyólotl C.
lesbofeminismoyan@yahoo.com.mx
http://es.geocities.com/lesbofeminismoyan/lesbofeminismoyan.html
Yan@mujerarte.org
[1] Alimentos chatarra são comidas rápidas artificiais e sem valor nutritivo.