
A organização da sexualidade reflete as características básicas do pincípio de desempenho e sua organização social. Freud destaca o aspecto da centralização. É especialmente eficaz na ´unificação´ dos vários objetos dos instintos parciais num único objeto libidinal do sexo oposto e no estabelecimento da supremacia genital. Em ambos os casos, o processo unificador é repressivo - quer dizer, os instintos parciais não evoluem livremente para um estágio ´superior´ de gratificação que preserve seus objetivos, mas são isolados e reduzidos a funções subalternas. Esse processo realiza a dessexualização socialmente necessária do corpo: a libido passa a se concentrar numa única parte do corpo, deixando o resto livre para ser usado como instrumento de trabalho. A redução temporal da libido é suplementada, pois, pela sua redução espacial.
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Por exemplo, as modificações e deflexões de energia instintiva necessárias à perpetuação da família patriarcal-monogâmica, ou a uma divisão hierárquica do trabalho, ou ao controle público da existência privada do individuo, são exemplos de mais-repressão concernente às instituições de um determinado tipo de realidade. Elas são somadas às restrições básicas [filogenéticas] dos instintos que marcam a evolução do homem do animal humano para o animal sapiens. O poder de restringir e orientar os impulsos instintivos, de transformar as necessidades biológicas em necessidades de desejos individuais, em vez de reduzir, aumentar a gratificação: a ´mediatização´ da natureza, a ruptura de sua compulsão, é a forma humana do princípio de prazer. Tais restrições dos instintos podem ter sido primeiro impostas pela carência e pela prolongada dependência do animal humano, mas tornaram-se depois um privilégio e uma distinção do homem, que o habilitaram a transformar a necessidade cega de satisfação de uma carência numa gratificação desejada.
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Originalmente, o instinto do sexo não tem limitações extrínsecas, temporais e espaciais, ao seu sujeito e objeto: a sexualidade é, por natureza, polimorficamente perversa. A organização social do instinto sexual interdita como poerversões praticamente todas as manifestações que não servem ou preparam a função procriadora. Sem as mais severas restrições, neutralizariam a sublimação de que depende o desenvolvimento da cultura. Segundo Fenichel, "os esforços pré-genitais são objeto de sublimação" e a primazia genital é seu "pré requisito". A Freud deu o que pensar porque o tabu sobre as perversões é sustentado com uma tão extraordinária rigidez. E concluiu que ninguém pode esquecer que as perversões são não só e meramente detestáveis, mas também algo monstruoso e terrível - "como se exercessem uma influência sedutora; como se, no fundo, uma secreta inveja dos que as desfrutam tivesse que ser estrangulada". As perversões parecem fazer uma promesse de bonheur maior do que a da sexualidade "normal". Qual é a origem dessa promessa? Freud salientou o caráter "exclusivo" dos desvios da normalidade, sua rejeição do ato sexual de procriação. Assim as perversões expressam a rebelião contra a subjugação da sexualidade à ordem de procriação e contra as instituições que garantem essa ordem. A teoria psicanalítica vê nas práticas que excluem ou impedem a procriação uma oposição à continuidade da cadeia de reprodução e, por conseguinte, da dominação paterna - uma tentativa para impedir o "reaparecimento do pai". As perversões parecem rejeitar a escravização total do ego do prazer pelo ego da realidade. Proclamando a liberdade instintiva num mundo de repressão, caracterizam-se frequentemente por uma forte rejeição do sentimento de culpa que acompanha a repressão sexual.
(Herbert Marcuse, Eros e Civilização)